Notícias

Pré-fabricados de concreto

O sistema de estruturas pré-fabricadas de concreto pode ser usado em qualquer tipo de obra, em especial naquelas que priorizam a repetitividade de peças. A velocidade de execução, o maior controle tecnológico de produção, além da eliminação de escoramentos, a menor produção de resíduos e a racionalização no uso de recursos são os principais benefícios dessa opção construtiva. Mas, apesar de eficiente, ela ainda é pouco difundida no Brasil, sobretudo no segmento habitacional.

De acordo com dados recentes de sondagem do setor de pré-fabricados realizada pela Fundação Getulio Vargas, a área de shopping centers segue liderando quando o assunto é o uso de pré-fabricados (destino de 20,3% do total produzido no País), seguida pelos segmentos industrial (19,6%), de infraestrutura (14,3%) e de centros de distribuição e logística (13,5%). No nicho residencial, nem mesmo o programa habitacional Minha Casa Minha Vida contribuiu para disseminar a solução: hoje, esse segmento representa apenas 4,2% do mercado.

Na avaliação da presidente-executiva da Associação Brasileira da Construção Industrializada de Concreto (Abcic), Íria Lícia Oliva Doniak, a principal barreira nos empreendimentos habitacionais é o custo, especialmente nos imóveis de baixa renda, cujas margens de lucro são baixas. Ela diz que as altas cargas tributárias que incidem sobre o produto são um dos principais entraves. A falta de equipamentos, impedindo a construção de torres residenciais e corporativas mais altas, e os problemas logísticos em grandes centros urbanos, dificultando o transporte e movimentação das peças nos canteiros, são outros gargalos.


Projeto

Antes de optar pelo sistema, é imprescindível contar com um estudo de viabilidade de uso que leve em consideração parâmetros como localização, terreno (incluindo características geotécnicas), projeto arquitetônico, logística e equipamentos de montagem.

Algumas normas técnicas baseiam os projetos - em especial, as NBR 9.062 - Projeto e Execução de Estruturas de Concreto Pré-moldado, hoje em revisão, NBR 6.118 - Projeto de Estruturas de Concreto e a NBR 14.861 - Lajes Alveolares Pré-moldadas de Concreto Protendido. Além disso, eles devem levar em consideração as etapas pelas quais as peças e a própria estrutura passam até chegar à condição pronta para uso. "As fases são fabricação, desenforma, manuseio, estocagem, transporte, montagem transitória de construção e ligações definitivas. Vale lembrar que as ligações entre peças são o coração da estrutura. Elas devem ser detalhadas de modo que a estrutura real funcione de acordo com o que foi previsto na análise estrutural", explica Eduardo Millen, diretor da Zamarion e Millen e conselheiro da Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural (Abece).

Ele diz que o projeto já deve nascer prevendo a racionalização, de modo a assimilar todos os benefícios dos pré-fabricados, como rapidez, economia e qualidade decorrentes da padronização e repetitividade proporcionada pelo sistema. "Ao adaptá-los a partir de projetos concebidos para estruturas convencionais, perdem-se as vantagens da repetitividade de peças. Nos convencionais, os vãos e os pés-direitos não são iguais, e há variação na direção das lajes, o que pode resultar em estruturas não tão econômicas e com maior prazo de execução", analisa.

Vale ressaltar que as estruturas pré-fabricadas exigem dos demais sistemas a antecipação de projetos, já que as peças começam a ser fabricadas durante a fase de fundações. Por isso, é fundamental definir previamente detalhes como insertos, aberturas e apoios especiais necessários aos demais sistemas que serão incorporados às peças, evitando retrabalhos e atrasos futuros. Ainda na fase de projeto básico, devem estar definidos os locais de passagem das redes hidráulicas, de incêndio, elétricas, de ar-condicionado e outras instalações.

Dentre os pontos críticos para a execução do sistema estão as interligações com escadas e esteiras rolantes, os elevadores, as furações necessárias às instalações (em especial de ar-condicionado) e a aplicação de insertos, cuja definição deve ser feita antes da fabricação das peças.


Execução

Em obra, é fundamental garantir a locação correta das peças, o prumo e o alinhamento dos pilares e seus níveis corretos de assentamento em blocos ou sapatas de fundação (como indicado no projeto), além do manuseio adequado e a simetria da montagem. O uso de soldas não qualificadas, falta de limpeza durante a concretagem de solidarização e de capeamento das peças e a cura inadequada são erros que podem comprometer o desempenho da estrutura. "Esses erros geralmente acontecem em virtude de prazos de obra muito apertados e ocasionam perdas de resistência e durabilidade com redução da vida útil, aumento de deformações e falta de estanqueidade da estrutura", observa Millen, da Abece.

Para evitar ou, pelo menos, minimizar os problemas, é necessário investir na qualidade dos materiais e da mão de obra, além de contar com uma equipe independente e capacitada para fazer o controle de qualidade desde a fase de projeto. "O ideal é planejar a execução para evitar soluções emergenciais e contar com o apoio do projetista estrutural em todas as etapas", completa.


Patologias

Desalinhamentos, deslocamentos de insertos, cobrimentos inadequados, fissuras por manuseios ou protensões precoces, deformações e mal-adensamento de concreto são algumas das patologias que podem ocorrer na fase de fabricação das peças.

Durante a produção em fábrica é fundamental que haja o controle tecnológico do concreto e, em especial, da sua resistência para liberação das peças, que usualmente ocorre em baixas idades. Dependendo do ciclo das fábricas, é possível desenformar um pilar com 20 m ou mais ou até desprotender uma pista de lajes alveolares em menos de 24 horas. "Isso é perfeitamente viável, desde que atingidas as resistências e o módulo de elasticidade especificados em norma ou em projeto para essas idades", lembra Íria, da Abcic.

A não observância dos requisitos pode prejudicar a resistência aos esforços solicitados das peças, tornando a estrutura suscetível a patologias. Algumas podem ser de ordem estética, como peças que ficam expostas manchadas ou porosas por falta de controle de qualidade de matérias-primas, por despreparo ou má aplicação do concreto. Outras, no entanto, ocorrem devido a erros de estocagem, desrespeito à posição de calços, empilhamento máximo ou acondicionamento nos veículos de transporte ou até mesmo ao uso de sistemas de içamento inadequados ou equipamentos sem manutenção. "Para evitar patologias, execução das etapas de projeto, produção e montagem devem estar em consonância com os requisitos estabelecidos na NBR 9.062", reforça Íria.


Em países como a China, por exemplo, é usual a entrega de edifícios altos executados em prazos curtíssimos com pré-fabricados. Por que a industrialização da construção civil não avança no Brasil?

ÍRIA LÍCIA OLIVA DONIAK - Em termos de desenvolvimento tecnológico, não estamos muito aquém desses países. Hoje, um dos entraves para um maior avanço no uso são os equipamentos. Faltam máquinas que nos permitam atingir maiores alturas. Com relação aos edifícios, temos feito esforços em termos de normatização. Concluímos recentemente a revisão da NBR 9.062 - Projeto e Execução de Estruturas de Concreto Pré-moldado e, em 2011, a de normas alveolares - NBR 14.861 - Lajes Alveolares Protendidas de Estruturas de Concreto Pré-fabricadas - Requisitos e Procedimentos, prevendo, nesses trabalhos, a possibilidade de construir em maiores alturas. Outro gargalo é a questão tributária.


Quais são os segmentos que mais utilizam a solução hoje?

ÍRIA - No ranking de aplicação das estruturas pré-fabricadas de concreto, shoppings, obras industriais e centros logísticos prevaleceram no topo até 2014, quando o segmento de infraestrutura tomou a terceira posição (dos centros de distribuição). Isso aconteceu porque estivemos fortemente presentes na construção das arenas, aeroportos e obras de mobilidade, como BRTs, construídos em função da Copa do Mundo.


Por que os shoppings, obras industriais e os centros logísticos sempre tomaram a frente nessa indústria?

ÍRIA - Porque falamos de investimentos e o retorno é rápido, viabilizando o uso da estrutura pré-fabricada. Quando migramos para o segmento habitacional, o impacto tributário é muito grande. Falamos de financiamento, e o fator prazo não é tão impactante quanto nos demais segmentos. Hoje, contamos com dois grupos de trabalho de industrialização, um na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e um na Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), que visam a buscar uma política de industrialização para o setor. O País, por muito tempo, não desenvolveu nem se interessou por esse desenvolvimento, até porque a mão de obra nos canteiros era abundante e barata. Isso começa a mudar.


Não perdemos a oportunidade de industrializar maciçamente o setor durante o boom da construção?

ÍRIA - A industrialização foi mais forte no segmento de infraestrutura, mas o segmento habitacional não acompanhou esse movimento. Com os valores que se pratica no programa Minha Casa Minha Vida, qualquer sistema executado em canteiro sem incidência de ICMS na estrutura se torna mais atrativo. O impacto da tributação barra o desenvolvimento e aplicação desses sistemas. O País necessita de uma reforma tributária urgente. Especialmente na construção civil precisamos estabelecer uma política clara de industrialização. Outro problema é que, dentro dos órgãos públicos, não encontramos termos de referências nem licitações para sistemas construtivos industrializados. Todo o trabalho é desenvolvido em cima de sistemas tradicionais.

DANIEL FRANCO - Um dos problemas é a logística, sobretudo dentro da cidade de São Paulo, o que afeta o uso mais intensivo do sistema. As empresas precisam receber as peças à noite, onerando mais ainda o custo global da obra.


Quais as dificuldades enfrentadas pelas empresas com relação à industrialização?

MARCELO VALADÃO - Nos últimos três anos, produzimos torres corporativas. O ciclo mais curto desses empreendimentos, de fato, favorece o investimento nesses sistemas. Usamos tanto os painéis pré-fabricados de fachada como pré-moldados em prédios na parte de embasamento. Mas há muitas barreiras para seu uso. No edifício Odebrecht São Paulo, tomamos a decisão de usar a estrutura moldada no local. Mas o prazo não fechava e acabamos abrindo uma concorrência com empresas de pré-fabricado. A primeira resistência partiu do arquiteto, que enxergava a solução como inflexível do ponto de vista arquitetônico. Ficamos oito meses detidos no projeto, mas, em seis meses, o edifício foi executado, com desempenho muito bom.

MARCELIO MEDEIROS DE SÁ - Atuamos com obras para terceiros e, portanto, já recebemos um produto padronizado. Só conseguimos partir para industrialização quando o produto foi concebido como tal. Nos segmentos de shopping e centros logísticos os prazos de entrega são uma premissa, logo todas as empresas moldam com pré-fabricados. Somos pioneiros no uso da industrialização, mas muitos sistemas - como as fachadas pré-fabricadas - não foram absorvidos pelo mercado. Mesmo com a mão de obra escassa, o cliente não entende as vantagens da racionalização. Acredita que a mão de obra é um problema da construtora e deve ser resolvido por ela.


E no segmento de habitação popular, qual é o panorama atual?

JULIO CIRELLI - O setor tem barreiras culturais para absorver a industrialização. Fora isso, a sazonalidade nos investimentos prejudica o desenvolvimento e absorção desses sistemas. Nascemos focados na construção racionalizada de habitações populares, voltada para atender a faixa 2 do MCMV. A ideia inicial era produzir para terceiros, mas esses não enxergavam os benefícios do sistema, apenas o custo do investimento. Realizamos mais de 200 propostas para construtoras, com grande resistência dessas empresas. Hoje, incorporamos os empreendimentos e construímos com nosso sistema. Essa foi a maneira que encontramos para viabilizar o sistema.


Há algum esforço do governo para ampliar o uso de pré-fabricados no segmento habitacional?

MARCELO MITIDIERI - Hoje, os aspectos técnicos desses sistemas são muito bem resolvidos dentro do Sinat. A publicação da NBR 15.575 pode impulsionar a industrialização no segmento habitacional. O aspecto custo, porém, ainda é uma trava. Muitos empresários querem entrar nesse segmento e em diversas partes do País. Mas muitos deles são sistemistas, apenas detêm o sistema e precisam da construtora para viabilizar seu uso, esbarrando na tributação e nos valores pagos para os empreendimentos habitacionais. Isso impende o desenvolvimento e penetração do pré-fabricado no setor. Estamos trabalhando com os ministérios da Saúde e da Educação para desenvolver creches, escolas, unidades de pronto-atendimento e unidades básicas de saúde com esses sistemas.


O sistema precisou ser adaptado para atender à NBR 15.575?

MITIDIERI - Algumas adaptações nas uniões entre peças, para atender a requisitos de estanqueidade, foram necessários. As interfaces entre peças e instalações devem ser estudadas, adaptando o produto às necessidades da norma. Isso é uma evolução.

LUÍS ALBERTO BORIN - Muitos sistemistas que têm peças ou sistemas chegam a nós querendo homologá-los no Sinat, mas sem projeto algum. É preciso que o sistemista defina o seu sistema e não só o produto, mas também os elementos complementares como as vedações.

ÍRIA - Nesses casos, vale ressaltar que não é a indústria atuando. Por isso, entendemos que o Documento de Avaliação Técnica (DAtec) foi benéfico, pois qualifica as soluções em estruturas pré-fabricadas que podem atender o segmento residencial.

CARLOS GERDAU JOHANNPETER - Nosso sistema (de painéis nervurados pré-fabricados de concreto armado para paredes) é inteligente, mas percorremos um longo caminho para posicioná-lo no mercado. Passamos por todos os testes. Ter em mãos um sistema concebido de forma industrializada é uma coisa, mas transformá-lo em realidade é outra. A absorção do sistema ainda passa pela questão de custo.


Como está a qualidade dos projetos em pré-fabricados?

EDUARDO MILLEN - O sistema pré-fabricado é uma especialidade, não é para amadores. Na fase inicial e implantação do sistema, existiram muitos problemas de patologias que acabaram prejudicando sua disseminação. A solução estava mal resolvida, mas aprendemos e resolvemos os problemas técnicos. Trabalhamos com mais de 50 escolas, e aquelas que foram corretamente executadas, por empresas especializadas, funcionam perfeitamente. Aquelas que foram executadas por empresas aventureiras apresentam problemas, prejudicando a imagem dos pré-fabricados no mercado.


Um dos pontos críticos quando o assunto é racionalização de estruturas é o descompasso com execução dos demais sistemas, cuja velocidade é bem inferior. Como as construtoras driblam esse problema?

VALADÃO - A velocidade de contratação e de planejamento quando há estruturas pré fabricadas envolvidas no empreendimento é totalmente diferente. Um dos maiores problemas é pensar esse tipo de construção como se fosse convencional. O sistema requer mais planejamento e maior dedicação à fase de projeto. A sequência de execução deve ser seguida com rigor, pois não é possível estocar peças na obra ou na indústria.

MEDEIROS DE SÁ - Imprimimos velocidade à estrutura e, quando chegamos à fachada, temos de partir novamente para o sistema tradicional de alvenaria. Os outros sistemas estão totalmente defasados. O nosso segmento não evolui. Tentamos impulsionar o uso de fachadas pré-fabricadas, mas o fator custo ainda barra o desenvolvimento desse tipo de sistema. Só conseguimos viabilizar o pré-fabricado se o projeto for concebido visando ao seu uso.